quarta-feira, setembro 20, 2006
Cardigans - Super Extra Gravity

Não é sempre que as coisas fazem sentido.

Quando em sã consciência alguém resolve terminar um relacionamento numa segunda-feira pela manhã? Convenhamos: no mínimo, impertinente um fato desses. Mas eu presenciei os acontecimentos.

Ele trabalhava em frente à minha mesa, e eram nove horas da manhã. Obviamente ainda conversávamos sobre a rodada de futebol do final de semana. Quem em sã consciência inicia o expediente de forma decente numa segunda a essa hora? Pois bem. Dividindo seu tempo entre minha atenção e seu web messenger, sua voz lentamente mudava de tom. As respostas não saíam, até ele engasgar. Nosso papo foi jogado de lado e seu micro atacado ferozmente por um sujeito segurando as lágrimas e transbordando raiva pelos dedos.

Claro que sequer me aproximei. Coloquei meus fones e acompanhei o choro, o telefonema desesperado, o completo silêncio desolado de alguém jogado fora depois de algumas palavras na tela. O rapaz segurou o rosto por bons minutos, fones nos ouvidos, olhando para sabe-se-lá-onde, até arremessar para longe uma pilha de papéis e correr para fora do prédio.

Me aproximei do seu micro pra dar um jeito naquelas coisas. Claro que ao olhar para o monitor não pude deixar de notar a história da manhã daquele cara resumida em poucas janelas.

Escondendo sua vergonha com Cardigans. A melancolia envolvente da voz de Nina Persson certamente impulsionou o acesso de fúria. Super Extra Gravity é um disco sensível, e com variações de humor e ritmo muito perigosas para situações limítrofes. Ouvir I Need Some Fine Wine And You, You Need To Be Nicer, com seu ritmo docemente acelerado pode servir de antídoto para momentos mais over, mas emendá-la com Don't Blame Your Daughter (Diamonds) é motivo de sobra para derramar as lágrimas que ainda estavam presas. É uma banda incapaz de fazer um álbum burocrático: ninguém começaria um álbum feliz com uma música chamada Losing a Friend, de uma batida só, quase como que numa marcha contínua rumo ao interior dos sentimentos de quem ouve com atenção cada melodia. A entrega definitiva ao sentimento se faz na última faixa, adequadamente chamada And Then You Kissed Me II.

Minimizando aquele iTunes, que com um pouco mais de cuidado notei que tocava Good Morning Joan em random mode. Compunham o restante cenário de desolação mais duas janelas: uma, com sua tentativa frustrada de e-mail de retratação por uma briga que só acontecera em uma das trincheiras - e por isso mesmo, não havia como ser rebatida. No outro extremo da tela, uma janela piscava a mensagem:

- não ouvimos mais as mesmas músicas.

Foi o suficiente para que ambos emudecessem.

cotação: ****
para saborear Losing a Friend e I Need Some Fine Wine (...), clique aqui.

escrito por Eddie Cooper || 20.9.06 ||

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