segunda-feira, setembro 04, 2006
Depeche Mode - Songs Of Faith And Devotion

- Vamos nessa?

Depois de quatro horas de uma tarde ensolarada qualquer, fechamos a conta, dividimos o quarto e fomos embora. Na saída um olhar rápido e completamente impessoal.

- Você me liga amanhã?
- Talvez. Ainda não sei...
- Ok.


Um beijo no rosto e ela atravessou a rua. Seu carro estava a umas 4 quadras dali. Andei meio sem rumo por quase uma hora até meus pés me convencerem que seria necessário pegar um ônibus se quisesse chegar em casa antes do cair da noite. O corpo dolorido se jogou na última poltrona da primeira condução que passou, e aquela cara de satisfação indisfarçável deu lugar à inércia cinza de uma tarde sem paixão.

O som do discman de um sujeito ao lado deixava escapar algumas batidas secas e abafadas, e rapidamente reconheci Condemnation. Lembro bem que em 1993 esse álbum do Depeche Mode me causava um sentimento de perda, algo melancólico, gosto metálico e amargo na boca. Songs Of Faith And Devotion - um nome lindo. Certamente I Feel You há alguns momentos seria propícia a ambientar aquele quarto de pouca luz e corpos azuis e nus derramados sobre a cama. One Caress carregava o caráter de sexo bandido perdido em um motel barato no meio da cidade - perfeita para funcionar como última reza antes do final melancólico e solitário de um dia amarelo-opaco como aquele. Definitivamente, poucas foram as aventuras bem-sucedidas de bandas como o Depeche: substituir teclados por guitarras e obter êxito é coisa pra poucos. Agregando a isso a polêmica temática do álbum, que em muito lembra uma espécie de procissão ou algo do gênero.

Nos bancos da frente, um casal de namorados dava as mãos bloqueando o corredor. A mente ainda estava entorpecida com o perfume doce e úmido daquela tarde, e a cada novo carinho de ambos a lucidez aos poucos voltava a tomar conta de mim. Enxergar na figura da garota alguém muito parecida com uma paixão antiga me pareceu bastante plausível, assim como notar que o rapaz usava as mesmas roupas que eu, e que tudo aquilo compunha um quadro que me jogaria na cara que o mundo de pessoas apaixonadas ainda existe. Meu sexo barato poderia perder o valor diante da prova maior de que tudo que envolve um sentimento além do desejo pode ser mais saboroso.

Mas em nada aquilo me interessava. O sujeito aumentou o som em Walking In My Shoes, e esqueci completamente os olhares apaixonados, os sussurros daqueles dois. O prazer daquela tarde já havia acontecido, e qualquer coisa que pusesse em dúvida o valor da indiferença de quem se despede sem te olhar nos olhos seria puramente descartada.

No dia seguinte, nenhum telefonema. E a vida seguiu.

cotação: ***
para saborear Condemnation e Walking In My Shoes, clique aqui.

escrito por Eddie Cooper || 4.9.06 ||

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