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tem algo entre 25 e 30 anos, e acredita que exista alguma coisa entre o céu e a terra - mas não se atreve a dizer o quê. Não procura nada, mas aproveita-se de tudo o que encontra pelo caminho.

Ávido freqüentador dos botecos, bairros e avenidas paulistas, coleciona música com os olhos, boca e ouvidos em tudo o que encontra pela frente. Não se preocupa mais com idade, roupas ou opiniões alheias, pois estando feliz, estará em casa onde quer que esteja.

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outubro 2006
fevereiro 2007
...e de volta pra hoje!

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  quarta-feira, setembro 20, 2006
Cardigans - Super Extra Gravity

Não é sempre que as coisas fazem sentido.

Quando em sã consciência alguém resolve terminar um relacionamento numa segunda-feira pela manhã? Convenhamos: no mínimo, impertinente um fato desses. Mas eu presenciei os acontecimentos.

Ele trabalhava em frente à minha mesa, e eram nove horas da manhã. Obviamente ainda conversávamos sobre a rodada de futebol do final de semana. Quem em sã consciência inicia o expediente de forma decente numa segunda a essa hora? Pois bem. Dividindo seu tempo entre minha atenção e seu web messenger, sua voz lentamente mudava de tom. As respostas não saíam, até ele engasgar. Nosso papo foi jogado de lado e seu micro atacado ferozmente por um sujeito segurando as lágrimas e transbordando raiva pelos dedos.

Claro que sequer me aproximei. Coloquei meus fones e acompanhei o choro, o telefonema desesperado, o completo silêncio desolado de alguém jogado fora depois de algumas palavras na tela. O rapaz segurou o rosto por bons minutos, fones nos ouvidos, olhando para sabe-se-lá-onde, até arremessar para longe uma pilha de papéis e correr para fora do prédio.

Me aproximei do seu micro pra dar um jeito naquelas coisas. Claro que ao olhar para o monitor não pude deixar de notar a história da manhã daquele cara resumida em poucas janelas.

Escondendo sua vergonha com Cardigans. A melancolia envolvente da voz de Nina Persson certamente impulsionou o acesso de fúria. Super Extra Gravity é um disco sensível, e com variações de humor e ritmo muito perigosas para situações limítrofes. Ouvir I Need Some Fine Wine And You, You Need To Be Nicer, com seu ritmo docemente acelerado pode servir de antídoto para momentos mais over, mas emendá-la com Don't Blame Your Daughter (Diamonds) é motivo de sobra para derramar as lágrimas que ainda estavam presas. É uma banda incapaz de fazer um álbum burocrático: ninguém começaria um álbum feliz com uma música chamada Losing a Friend, de uma batida só, quase como que numa marcha contínua rumo ao interior dos sentimentos de quem ouve com atenção cada melodia. A entrega definitiva ao sentimento se faz na última faixa, adequadamente chamada And Then You Kissed Me II.

Minimizando aquele iTunes, que com um pouco mais de cuidado notei que tocava Good Morning Joan em random mode. Compunham o restante cenário de desolação mais duas janelas: uma, com sua tentativa frustrada de e-mail de retratação por uma briga que só acontecera em uma das trincheiras - e por isso mesmo, não havia como ser rebatida. No outro extremo da tela, uma janela piscava a mensagem:

- não ouvimos mais as mesmas músicas.

Foi o suficiente para que ambos emudecessem.

cotação: ****
para saborear Losing a Friend e I Need Some Fine Wine (...), clique aqui.

escrito por Eddie Cooper || 20.9.06 || 0 comentando.

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segunda-feira, setembro 04, 2006
Depeche Mode - Songs Of Faith And Devotion

- Vamos nessa?

Depois de quatro horas de uma tarde ensolarada qualquer, fechamos a conta, dividimos o quarto e fomos embora. Na saída um olhar rápido e completamente impessoal.

- Você me liga amanhã?
- Talvez. Ainda não sei...
- Ok.


Um beijo no rosto e ela atravessou a rua. Seu carro estava a umas 4 quadras dali. Andei meio sem rumo por quase uma hora até meus pés me convencerem que seria necessário pegar um ônibus se quisesse chegar em casa antes do cair da noite. O corpo dolorido se jogou na última poltrona da primeira condução que passou, e aquela cara de satisfação indisfarçável deu lugar à inércia cinza de uma tarde sem paixão.

O som do discman de um sujeito ao lado deixava escapar algumas batidas secas e abafadas, e rapidamente reconheci Condemnation. Lembro bem que em 1993 esse álbum do Depeche Mode me causava um sentimento de perda, algo melancólico, gosto metálico e amargo na boca. Songs Of Faith And Devotion - um nome lindo. Certamente I Feel You há alguns momentos seria propícia a ambientar aquele quarto de pouca luz e corpos azuis e nus derramados sobre a cama. One Caress carregava o caráter de sexo bandido perdido em um motel barato no meio da cidade - perfeita para funcionar como última reza antes do final melancólico e solitário de um dia amarelo-opaco como aquele. Definitivamente, poucas foram as aventuras bem-sucedidas de bandas como o Depeche: substituir teclados por guitarras e obter êxito é coisa pra poucos. Agregando a isso a polêmica temática do álbum, que em muito lembra uma espécie de procissão ou algo do gênero.

Nos bancos da frente, um casal de namorados dava as mãos bloqueando o corredor. A mente ainda estava entorpecida com o perfume doce e úmido daquela tarde, e a cada novo carinho de ambos a lucidez aos poucos voltava a tomar conta de mim. Enxergar na figura da garota alguém muito parecida com uma paixão antiga me pareceu bastante plausível, assim como notar que o rapaz usava as mesmas roupas que eu, e que tudo aquilo compunha um quadro que me jogaria na cara que o mundo de pessoas apaixonadas ainda existe. Meu sexo barato poderia perder o valor diante da prova maior de que tudo que envolve um sentimento além do desejo pode ser mais saboroso.

Mas em nada aquilo me interessava. O sujeito aumentou o som em Walking In My Shoes, e esqueci completamente os olhares apaixonados, os sussurros daqueles dois. O prazer daquela tarde já havia acontecido, e qualquer coisa que pusesse em dúvida o valor da indiferença de quem se despede sem te olhar nos olhos seria puramente descartada.

No dia seguinte, nenhum telefonema. E a vida seguiu.

cotação: ***
para saborear Condemnation e Walking In My Shoes, clique aqui.

escrito por Eddie Cooper || 4.9.06 || 0 comentando.

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